Uma história de amor de eternidade entre eu e o vulcão...
- Amanda Avalon
- 29 de dez. de 2024
- 5 min de leitura
Li o texto da minha amiga Teh sobre ela ser péssima com finalização de ciclos, o que é controverso para nós, nômades, e eu não poderia concordar mais com ela: Eu me encho de apegos, medos e projeções, e faço isso a partir de muito pouco. É uma missão eterna aprender a lidar com as paixões que explodem dentro de mim por pessoas e lugares que eu acabei de conhecer e que possivelmente não verei tão cedo, ou talvez nunca mais…
Eu já fui muito mais intensa, como dizia Paulinho da Viola e eu sempre parafraseava “Quem quiser gostar de mim, eu sou assim! Meu mundo é hoje e não existe amanhã pra mim!”, mas essa mentalidade e comportamento já custou tantos pedaços do meu coração que infelizmente preciso admitir que a vida me esfriou um pouco, porém ainda tenho medo de onde eu escondo essas erupções de amor pela vida que atravessam o meu peito. Talvez seja por isso que eu tenha me apaixonado perdidamente por um Vulcão imponente que está adormecido há mais de 12 mil anos.
Esses dias também li as palavras de Nastassja Martin, em Escute as feras, quando ela diz que ela está acostumada com as metamorfoses, com a explosão, com o acontecimento e com as crises, mas que nunca soube lidar com a estabilidade e o apaziguamento, e que conforto eu senti ao passar os meus olhos sobre as palavras de outra mulher, apaixonada pelos mistérios do mundo, com essa mesma insatisfação crônica pelo que é morno e pelo que é comum.
Hoje, dia 29 de Dezembro de 2024, faz só 19 dias dias que estou no Atacama, nove dias a mais do que a primeira vez, e a sensação é que eu sempre estive aqui, eu nunca fui embora, eu nunca vivi em outro lugar… eu sei os olhares e os sorrisos que eu vou encontrar em cada esquina, percebo de longe a sensação desagradável de esbarrar com pessoas que me deixam desconfortável aqui, e sinto frio na barriga antes de cruzar olhares com outro viajeiro que tomou conta dos meus pensamentos e da minha curiosidade, desde o primeiro dia do meu retorno pra essa cidade.
Como vai ser quando eu precisar de fato começar o movimento que eu me propus com essa viagem? Como vai ser quando ele for embora? Porque eu precisava me encantar por outra pessoa nas primeiras horas do meu regresso? Porque isso logo agora, se eu achava que já tinha aprendido a parar de projetar os meus sonhos em gente que eu mal conheço? Quanto tempo mais me resta aqui? Porque eu voltei? O que eu estou esperando que ainda aconteça? Quais são as confirmações e as palavras que eu ainda quero ouvir dessas montanhas tão silenciosas? … Tantas perguntas, mas ainda assim não tenho dúvidas de que eu precisava estar exatamente aqui, exatamente agora. Eu pedi muito forte pelos sinais e o Deserto se encaminhou de encaixar todas as coisas no seu exato lugar para que eu pudesse voltar, e eu tenho plena certeza que não tem nenhuma peça faltando ou sobrando, inclusive eu posso sentir na boca do meu estômago as coisas que estão fora de ordem, apodrecendo nas minhas vísceras e escorrendo pra fora do meu corpo, direto para esse chão salgado, pois precisam ganhar outros rumos em um destino que não é o meu.
Estou eu aqui escrevendo esse texto na minha cama do hostel, que se tornou toda a minha casa no último mês, e que se encontra muito bagunçada agora, exatamente como eu nesse momento: UM CAOS. Enquanto escrevo escorrem as primeiras lágrimas dessa temporada, até que estava demorando, e foi por isso o Deserto precisou, DE NOVO, forçar minha parada, para que eu possa finalmente sentir ao invés de sempre usar a desculpa de que “eu não tenho tempo, estou trabalhando muito para bancar os meus sonhos…”. Só parei pois estou repousando de uma noite difícil, na qual eu revivi um episódio da novela da última vez que estive aqui: vômitos, disenteria e pesadelos, a noite toda. Todas essas perguntas e essas certezas fazem trânsito nos meus órgãos internos, então meu corpo precisa pôr pra fora os excessos que ocupam as vias reais da MINHA vida e impedem OS MEUS fluxos. Pois no fim eu sou a personagem principal dessa história, da minha história, e eu preciso aprender, de uma vez por todas, a lidar com a minha importância dentro da minha própria vida.
Dessa vez foi mais leve, eu não precisei que o Bruno me carregasse pelas ruas da cidade, arrastada até o pequeno postinho médico pra tomar soro na veia. Hoje fui eu mesma que levantei, peguei a bicicleta que meu amigo me emprestou e fui atrás das farmácias e alimentos para minha cura. Eu penso: Calma, você já passou por isso, seu corpo sabe o caminho agora. Mas mesmo sabendo que no fundo eu estou sendo lembrada do tamanho do meu Sacerdócio Espiritual, - afinal de contas eu fui sacrificada na boca do Licancabur há alguns milênios atrás e eu tenho a memória da cena do meu estômago sendo arrancado de mim, ainda com vida, - mesmo assim quero fingir normalidade e me questiono se foi a carne de vaca que eu almocei, o Pisco Sour no fim de tarde da piscina, o sorvete que eu tomei na pracinha no final do dia ou o amendoim do bar.
Que mania essa de fugir da minha responsabilidade espiritual. Do que é que eu tenho tanto medo? Eu tenho medo de ficar sozinha! Não fisicamente, pois a vida é muito generosa comigo me apresentando pessoas incríveis, mas sozinha nesse sentimento de que eu sou muito diferente, sozinha nesse espaço de uma pessoa que sente com cada fio de cabelo e pelo do meu corpo. Sozinha nesse sonho de viver todos os dias contemplando a grandiosidade do Universo. Mas quem são as pessoas que não vão me achar uma Jovem Mística quando eu falar sobre esses papos de vidas passadas e energia? Como eu explico que eu vivo tudo isso na minha pele, mas que também estudo consciência de classe? Nessas horas percebo como é fácil repetir o medo de assumir minha bruxaria nesse mundo. O que ainda me falta para sentar neste trono entre o pilar preto e o pilar branco
Mas o Deserto não me dá muitas escolhas!
A infinitude desse lugar é tão palpável que a vida acontece em pequenos espaços de segundos, é possível viver mil anos em algumas horas e também é possível chorar por amores que nascem e morrem antes mesmo de saírem da minha mente criativa.
Ontem eu disse algumas verdades que estavam entaladas em mim e botei pra fora alimentos não digeridos; Amanhã eu ancoro mais um ritual coletivo para mais de 30 pessoas, que se propõem justamente a fazer limpezas e libertações; mas eu ainda me pergunto se foi a carne de vaca que eu comi...
Nunca foi sobre a carne da lhama, da vaca, o amendoim, o vinho, o pisco, o “patrício”, a mina que acha que eu só estou aqui pq quero ser ela, nem sobre o chileno encantador… Essa aqui é uma história de amor de eternidade entre eu e o vulcão! E virar esse ciclo encarando o fato de que eu vim resgatar esse pedaço da minha alma que está enterrada neste deserto, está sendo uma das experiências mais profundas a apavorantes da minha vida.
Eu não faço a menor ideia de quem serei depois disso aqui…
É uma delicia te ler, Amanda! Queria poder ta do seu lado também. Infelizmente não tenho nada de interessante pra acrescentar em relação ao texto, mas espero que continue sempre tendo essa força! Você é incrível!